Filosofia: A Existência Ética
Senso moral e consciência moral
Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no Brasil, milhares de pessoas morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade e ficamos indignados. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Esses sentimentos e as ações desencadeadas por eles exprimem nosso senso moral, a maneira como avaliamos nossa situação e a de nossos semelhantes segundo idéias como as de justiça e injustiça.
Quantas vezes, levados por um impulso incontrolável ou por uma emoção forte, fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa? Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral, isto é, a avaliação de nosso comportamento segundo idéias como as de certo e errado.
Em muitas ocasiões, ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça, altruísmo. Sentimos que há grandeza e dignidade nessa pessoa. Sentimos admiração por ela e desejamos imitá-la. Tais emoções e sentimentos também exprimem nosso senso moral, isto é, a maneira como avaliamos a conduta e a ação de outras pessoas segundo idéias como as de mérito e grandeza de alma.
Não raras vezes somos tomados pelo horror diante da violência: chacina de seres humanos e animais, linchamentos, assassinatos brutais, estupros, genocídio e torturas. Com freqüência, ficamos indignados ao saber que um inocente foi injustamente acusado e condenado, enquanto o verdadeiro culpado permanece impune. Sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens à custa da boa-fé de outros. Esses sentimentos também manifestam nosso senso moral, ou a maneira como avaliamos as condutas alheias seguindo as idéias de justiça e injustiça.
Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho lhe permitira sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Pode aceitar o emprego? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a mulher morrendo?
Uma mulher vê uma criança maltrapilha e esfomeada pegar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando dificuldades e que o furto fará diferença para ele. Mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que com isso a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo? Ou deverá silenciar, pois a criança corre o risco de receber punição excessiva, ser levada pela polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora, revoltada, passar do furto ao homicídio? Que fazer?
Uma pessoa vê, nas portas de uma escola, um jovem vendendo droga a um outro. Essa pessoa sabe que tanto o jovem traficante como o jovem consumidor estão realizando ações a que foram levados pela atividade do crime organizado, contra o qual as forças policiais parecem importantes. Deve denunciar o jovem traficante, mesmo sabendo que com isso não atingirá as poderosas, forças que sustentam o tráfico, mas apenas um fraco anel de uma corrente criminosa que permanecerá impune e que poderá voltar-se contra que fez a denúncia? Ou deve falar com as autoridades escolares para que tomem alguma providência com relação ao jovem consumidor?
Mas de que adiantará voltar-se contra o consumo, se nada pode fazer contra a venda propriamente dita? No entanto, como poderá sentir-se em paz sabendo que há um jovem que talvez possa ser salvo de um vício que irá destruí-lo? Que fazer?
Consciência moral
Situações como essas surgem a todo momento em nossa vida. Nossas dúvidas quanto à decisão a tomar não manifestam nosso senso moral, mas põem à prova nossa consciência moral, pois exigem que, sem sermos obrigados por outros, decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas.
Em outras palavras, a consciência moral não se limita aos nossos sentimentos morais, mas se refere também a avaliações de conduta que nos levam a tomar decisões por nós mesmos, a agir em conformidade com elas e a responder por elas perante os outros.
Os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e as decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que se referem a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem.
Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bem e o mal, também se referem a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmo, seja por recebermos a aprovação dos outros.
Além disso, os sentimentos e as ações morais são aqueles que dependem apenas de nós mesmos, que nascem de nossa capacidade de avaliar e decidir por nós mesmos e não levados por outros ou obrigados por eles; em outras palavras, o senso e a consciência morais têm como pressuposto fundamental a idéia de liberdade do agente.
O senso moral e a consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal, ao desejo de felicidade e ao exercício da liberdade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida com outros agentes morais. O senso e a consciência morais são por isso constitutivos de nossa existência intersubjetiva, isto é, de nossas relações com outros sujeitos morais.
Filosofia - série brasil. Ensino Médio/ Volume Único. Marilena Chauí. Págs 176 e 177 /Unidade 7 – A ética/ Cap 24 – A existência ética Editora Ática. Ano 2005.
Para Filosofar. Editora Scipione. Autores: Cordi, Santos, Bório, Correa, Volpe, Laporte, Araújo, Schlesener, Ribeiro, Floriani, Justino. Ano 1996
Juízo de Fato e de Valor
Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um juízo de valor.
Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor - avaliações sobre coisas, pessoas e situações - são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião.
Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis.
Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto.
Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral.
Como se pode observar, senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou detestar.
Qual a origem da diferença entre os dois tipos de juízos? A diferença entre a Natureza e a Cultura. A primeira, como vimos, é constituída por estruturas e processos necessários, que existem em si e por si mesmos, independentemente de nós: a chuva é um fenômeno meteorológico cujas causas e cujos efeitos necessários podemos constatar e explicar.
Por sua vez, a Cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e suas relações com a Natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores. Dizer que a chuva é boa para as plantas pressupõe a relação cultural dos humanos com a Natureza, através da agricultura. Considerar a chuva bela pressupõe uma relação valorativa dos humanos com a Natureza, percebida como objeto de contemplação.
Freqüentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles e neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos. Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade de geração a geração, as sociedades tendem a naturalizá-los. A naturalização da existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural.
Bibliografia:
www.aureliano.com.br/downloads/senso_moral.doc
http://www.cerebro.net.br/index.php?ind=reviews&op=entry_view&iden=39
Carolina Kuntz, nº8.
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